22/09/2006
Secretaria da Educação fechou convênio com o TJ para dar às crianças da rede pública o direito ao reconhecimento
Por CAMILA HADDAD
Para evitar qualquer tipo de problema no desenvolvimento escolar do aluno que não tem o nome do pai na certidão de nascimento, a Secretaria de Estado da Educação fechou ontem um convênio com o Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo. Trata-se de um projeto piloto em que a mãe da criança matriculada na rede será chamada para entrevistas com oficiais do registro civil. Caso ela indique o suposto pai, ele será notificado para comparecer à escola com data e hora marcadas.
Atualmente, segundo a secretaria, dos mais de cinco milhões de alunos do Estado, aproximadamente 357 mil não têm paternidade reconhecida. Já na Capital, dos 1,3 milhão de estudantes da rede, 91 mil não tem o nome do pai na certidão. O desembargador e presidente do TJ, Celso Limongi, explicou que, caso o pai apareça e aceite o termo de reconhecimento, a certidão será feita na hora.
Se em alguma situação não houver reconhecimento espontâneo, será feito o pedido de investigação de paternidade e exame de DNA por meio da Procuradoria de Assistência Judiciária, já que muitos pais só assumem a paternidade mediante o laudo que a comprove. ‘Não haverá custos para as mães’, disse.
De acordo com a secretária de Estado da Educação, Maria Lucia Marcondes Carvalho, nesta primeira fase, o projeto irá começar na região de Itaquera. ‘Ainda não temos previsão para acabar o projeto. Vai depender do fôlego.’
A secretaria revelou que não ter o pai na certidão de nascimento pode causar traumas nas crianças. ‘É como levar uma marca de preconceito nas costas.’
Limongi lembrou que, além do fator psicológico, o Tribunal de Justiça quer dar o direito a crianças e adolescentes a terem pensão alimentícia e outros direitos de filho. ‘Muitas vezes o pai não reconhece o filho por falta de instrução. Isso já devia ter acabado.’
Violência
O convênio também terá um projeto voltado para crianças vítimas de violência. Ainda este mês os professores da rede estadual de ensino serão chamados, em várias etapas, para participar de atividades desenvolvidas pela Rede de proteção à Criança e ao Adolescente do TJ. E as atividades devem começar logo. O projeto contará com assistentes sociais e psicólogos da Vara da Infância e Juventude do TJ e funcionários da Secretaria da Educação.
De acordo com Limongi, a maior dúvida em casos de violência em criança é como lidar com a situação em sala de aula.
Para o governador Cláudio Lembo, as duas medidas já deveriam estar em vigor há mais tempo. ‘Que esse ciclo maldito seja interrompido e que a tragédia social brasileira seja rompida hoje (ontem)’.
O governador disse que atualmente tem ‘vergonha’ de olhar no rosto de algumas crianças do Estado de São Paulo. ‘No futuro eu quero poder estar aqui e olhar para os olhos delas sem ter vergonha.’
Mãe aguarda teste de DNA para comprovar paternidade de seu bebê: projeto prevê exame sem custo para mães.
Repórter conta como a falta do sobrenome paterno marcou sua infância e vida escolar
“Meu pai só me registrou aos 12 anos”
“Até aos 12 anos, meu nome era Camila Cardoso Coimbra. Desde os 6, quando comecei a estudar e a professora falava dos sobrenomes de família, eu sabia que faltava o Haddad, sobrenome paterno.
Minha mãe sabia da falta que o nome de origem árabe poderia me fazer e tentou, por anos, adiar meu registro até entrar em um consenso com meu pai. No ato da matrícula escolar, não teve jeito. A escola exigiu a certidão de nascimento. Minha mãe me registrou só com o nome dela, mas sempre me contava que papai não fazia por mal.
No começo eu não me sentia tão chateada, até porque chegamos a morar os três juntos. Mas com o passar dos anos, o espaço em branco no RG chamava a atenção dos colegas. Minhas amigas começaram a questionar o fato de o nome do meu pai não constar no documento. Me lembro que tirei o primeiro RG para poder viajar, aos 7 anos, para Foz do Iguaçu, de avião. No documento, só havia o nome de minha mãe. A sensação, em alguns dias, era de rejeição. Mas logo superei.
Foi preciso meu pai ficar muito doente para que ele chamasse o oficial do cartório e me registrasse ainda no hospital. Hoje sou Camila Haddad e não trago mágoa. Tanto que até uso o sobrenome dele.”
3 Perguntas para Vera Blondina Zimmermann – Psiquiatra e Coordenadora do Cria
1) Como se sente uma criança que não tem o reconhecimento da paternidade?
A vida dela fica em branco e uma lacuna. Ela acaba sendo prejudicada emocionalmente e pedagogicamente. Quando a criança não pode se perguntar sobre sua origem isso pode causar um fator de inibição da curiosidade e pode acarretar também em uma inibição da aprendizagem.
2) Há uma idade específica em que a criança começa a se sentir excluída na escola?
Normalmente isso acontece a partir dos 4 anos, ou seja, assim que a criança passa a aprender sobre o nascer, crescer e morrer. É quando as escolas realizam atividades e pede que o aluno leve fotos dos pais para a sala de aula e há o interesse de saber mais sobre a árvore genealógica da família.
3) Como a mãe deve agir com o filho quando a criança não tem registro do pai na certidão?
A mãe deve ser sincera e nunca omitir a verdade. Com 4 ou 5 anos de idade, ela deve falar o que sabe sobre o pai do seu filho, contar a história. É importante para a criança saber sua origem.