Independentemente da cultura da qual possamos nos referir, existe algo pertinente ao conceito de ‘adolescência’ que é sua essência: tornar-se adulto implica na realização de trabalhos psíquicos singulares – organização de sínteses, respostas e elaboração de projeto de vida. Em algum momento de nossas vidas precisamos responder a pergunta clássica frente a qual somos colocados, sorrateiramente, consciente e inconscientemente, desde a infância e que vai se definindo numa frase simples: “Qual é a tua?” Respondê-la constitui-se na principal tarefa da fase que chamamos ‘adolescência’.
O adolescente buscará as respostas para esta pergunta a partir de informações e vivências relacionais que o constituíram até então. Falamos de padrões iniciais de identificação cuja importância é a de fornecer informações que constituem uma matriz básica sobre a qual ele terá que trabalhar para fazer sínteses que definirão o seu ‘eu’. Neste percurso duas variáveis são fundamentais: tempo e diversidade de informações. O tempo de permanência do fenômeno é importante para sua internalização e a diversidade enriquece as experiências- uma delicada equação que deve buscar um equilíbrio. O que não se tem dúvida em termos de desenvolvimento é que de nada adianta a variedade de estímulos se a criança não conseguir organizá-los, dando-lhes sentido singular a partir das suas referências.
O que temos no contexto atual no mundo: velocidade de mudanças, excesso de novas informações e adultos mais inseguros na tarefa de organizar uma gama básica de valores e de repassarem para as crianças que estão sendo educadas. Os meios de comunicação aos quais elas têm acesso, em tempo real e internacionalizados, transmitem a estas crianças diferentes e antagônicos modos de perceber o mundo, o que exige delas maior capacidade de elaboração, capacidade na qual ainda não acessaram devidamente.
A capacidade de lidar com o novo, de metabolizá-lo, ocorrem num ritmo que tende a roubar o espaço do “assombro”, do prazer, da reflexão, da metabolização e da síntese. A variedade excessiva e a aceleração de estímulos, tende a produzir fugacidade nas relações com os objetos, pessoas, informações, produzindo vivências de desorientação, descaso, desintegração e desprazer. Percebe-se que nas crianças esta fugacidade tem provocado uma fragilidade no eixo básico organizador do ‘eu’, comprometendo sua consistência e dificultando as tarefas psíquicas que terá que realizar na adolescência.
A geração de adultos, ao precisar dispensar muito tempo e energia para acompanhar as mudanças e sobreviver aos impactos, deixa os adolescentes solitários para interpretar e criticar todas as informações que lhes chegam, confundindo a facilidade que eles encontram em transitar pelas novas tecnologias com maturidade emocional.
O grande desafio dos pais é manter o fortalecimento de suas funções. Firmar, nesta nova situação, uma coluna dorsal de representações familiares que possibilitem ao adolescente constituir um psiquismo onde a diversidade e a transitoriedade não acarrete um sujeito “alienado” de si mesmo. Ajudá-lo a diferenciar-se, aprofundar as informações e desenvolver a capacidade de criticar e se posicionar para que ele possa, finalmente, constituir-se na singularidade que caracteriza o ser humano. Todos nós, adultos, precisamos trabalhar mais com o aprofundamento dos fatos e não só com a variação dos mesmos. Esta alternativa pode reduzir o negativo da aceleração e da quantidade de informação, contribuindo para que as crianças e adolescentes absorvam com maior aproveitamento e se organizem como pessoas capazes de contribuir socialmente.
Revista do Sul | Fevereiro de 2019
Vera Blondina Zimmermann Psicoanalista, Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto SEDES SAPIENTIAE/SP, Dra em Psicología Clinica-PUC/SP