19/08/2009
Por Luana Martins • 19/08/2009
Jogar bola na rua, brincar de esconde-esconde com o vizinho, participar de uma festa do pijama na casa do coleguinha? Nem pensar! O mundo lá fora reserva muitos perigos e riscos às crianças. Escolher a própria roupa, o esporte a praticar e até os amiguinhos: de jeito nenhum! Somente os adultos sabem o que é bom para a criança, certo? Se você concorda com estes pensamentos é bem provável que você faça parte dos pais superprotetores.
A entrada da mulher no mercado de trabalho, a violência generalizada e as mudanças nos padrões da educação costumam ser as razões que levam pais e mãe a criarem uma redoma de vidro em volta de seus filhos. Pois saiba que o excesso de zelo pode sair pela culatra e desenvolver uma criança insegura, intolerante a frustrações, dependente, tirana e manipuladora.
É normal que nos primeiros anos de vida a criança seja tratada com certos privilégios de rei. “Inicialmente, mãe e bebê são dois seres indiferenciados. Para sobreviver, a criança precisa que a figura materna ajude-a a decifrar o mundo e o seu próprio corpo”, aponta a psicóloga e professora de psicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Vera Zimmermann.
“A entrada da mulher no mercado de trabalho
fez com que as mães
passassem a sentir culpa por se
dividirem nos dois papéis, resultando
no excesso de cuidados”
Aos poucos, este “reinado” precisa ir sendo diminuído. “Durante o primeiro ano, nos seus acessos de raiva, o bebê tende a ‘atacar’ a figura materna quando frustrado. Quando isso ocorre, é hora de se pontuar a separação entre um e o outro”, aconselha Zimmermann. Pontuar esta realidade não significa não consolar a criança frente à frustração, mas mostrar-lhe a importância dos limites. “O bebê precisa ser convidado a perceber que o outro está separado de si e não é sua propriedade”, explica a especialista.
Entre grades
Ano a ano, cresce o número de pequenos monitorados 24 horas/dia inclusive sob os “olhos” de aparatos tecnológicos como câmeras de vigilância e celulares. “A violência está por trás da formação de pais superprotetores, a proteção tornou-se uma necessidade com o crescimento dos casos de violência e agressão contra crianças”, enfatiza João Luis Almeida Machado, pedagogo e editor do portal Planeta Educação. “A saída de uma educação rígida e a entrada da mulher no mercado de trabalho fizeram com que as mães passassem a sentir culpa por se dividirem nos dois papéis, resultando no excesso de cuidados e no comportamento superprotetor”, acrescenta Vera.
O narcisismo dos pais é outro fator responsável pela bolha de proteção. “É o caso de pais que desejam prolongar sua existência por meio dos filhos sem levar em consideração que é preciso desenvolver um outro ser humano que terá suas diferenças e um dia viverá separado dos pais, tendo que enfrentar o mundo com as ferramentas que adquiriu dentro da sua família”, alerta a psicóloga.
Heranças de uma superproteção
A superproteção fragiliza a personalidade da criança à medida que ela não aprende a conhecer suas verdadeiras capacidades. “Ela torna-se incapaz de enfrentar as dificuldades ou lidar com as frustrações”, prevê Vera. “De quebra, também pode sentir medo de encarar situações novas e relacionar-se com os outros. Ter falta de iniciativa e se distanciar da realidade, isolando-se em mundos alternativos como o de computadores e videogames”, acrescenta João Luis.
A longo prazo, a superproteção é uma das responsáveis pela formação de adultos tiranos, narcisistas e egocêntricos, “uma vez que ela gera a sensação de que, para tudo o que acontecer na vida da criança, sempre haverá alguém para lhe dar suporte, proteção e auxílio, saciar seus desejos e obedecer suas ordens é uma obrigatoriedade das pessoas ao seu redor”, alerta o especialista.
Mapeando sintomas
Ainda que o comportamento humano não seja uma ciência matemática, estudos apontam que pais de idade mais avançada, adotivos ou que tiveram um filho único ou prematuro estão no grupo de risco dos possíveis pais que protegem demais. “Estas são situações nas quais ocorre uma apreensão maior quanto à segurança dos filhos e, como repercussão, aumenta-se a vigilância, ocasionando maiores possibilidades de ocorrência da superproteção”, justifica João Luis.
Mas como saber que os limites da proteção saudável foram ultrapassados? Comece verificando se a criança apresenta comportamentos como:
– Uso excessivo de computadores e videogames
– Indisposição para sair de casa
– Pouca ou nenhuma atividade externa como prática de esportes e jogos com amigos, reduzido grupo de interação social
– Dificuldade para comunicar e expressar sentimentos para os pais
Ou, ainda, se a criança está sendo impedida de vivenciar experiências por conta própria. “É o caso de adultos que não deixam a criança chorar, como se ela não pudesse sofrer e aprender a enfrentar a tristeza. Ou de pais que retiram as dificuldades do caminho da criança para que ela sempre vença e não conheça a sensação da perda”, acrescenta Vera.
Quebrando a redoma
É importante que os pais dêem às crianças a possibilidade de experimentar as situações da vida. “Não se faz um filho para si mesmo, mas para o mundo. Ele precisa aprender a viver longe de nós”, justifica Vera. “É muito comum que os pais pensem em esperar a maturidade dos filhos para deixar que as experiências de independência aconteçam. Mas a autonomia deve ser conquistada com a vivência gradativa destas experiências”, garante a psicóloga.
“A educação (formação) e a presença
dos pais na vida da criança apoiando-a
sempre são suficientes para que ela
faça as escolhas corretas para sua existência”
Para amadurecer, a criança deve sofrer situações próprias da faixa etária. “Isto prevê alertar quanto às drogas, por exemplo, mas não fazer disto um argumento para isolar a criança e torná-la reclusa”, exemplifica João Luís. “Arrumar os brinquedos, fazer a lição de casa sozinha, estender a colcha na cama, escolher suas roupas e guardá-las no cesto ou armário, levar o prato para a pia, acompanhar simbolicamente os pais na realização de tarefas caseiras são outras atividades muitas vezes vistas como insignificantes pelos pais, mas que ajudam a criança a conquistar sua maturidade e assumir suas responsabilidades”, acrescenta Vera.
É preciso ser forte para lidar com as reações da criança: a independência pode causar revoltas, medos e frustrações. “Durante o processo, são comuns as angústias de separação (dos pais) e fobias transitórias. Mas trata-se de um amadurecimento necessário para que a criança vá compreendendo a complexidade do mundo e dos seres humanos”, encoraja a especialista. “Erros e frustrações são constantes em nossa existência e ajudam a melhorar nossa trajetória. Errar implica em um novo ciclo, a busca do acerto e de novas tentativas”, valoriza João Luis.
O sucesso dessas medidas? Costuma ser garantido. “Não é preciso vigiar constantemente. A educação (formação) e a presença dos pais na vida da criança apoiando-a sempre são suficientes para que ela faça as escolhas corretas para sua existência”, finaliza o especialista.
Matéria – Portal Bolsa de Bebê