O brincar constitui a vida psíquica! Isto quer dizer que desenvolve a criança em todas as áreas: emocional-perceptiva-motora e cognitiva, a partir da relação que ela estabelece com o mundo, tanto nas relações com outros seres vivos, quanto com objetos.
O conceito de ‘brincar’ inclui experiências, tanto passivas, quanto ativas, em termos de corpo e motricidade.
No início do primeiro ano de vida começa a viver os efeitos dos sons, cores, movimento, texturas. Mesmo que pareça passivo, como acompanhando movimentos e ouvindo sons, já está ‘brincando’.
Primeiro via o corpo de quem exerce a função materna, depois de tudo que lhe rodeia. Neste período, importa os estímulos que apresentam certa diversidade destas categorias, como por exemplo, móbiles, músicas, chocalhos, etc… O corpo da mãe que lhe dá prazer e segurança, pode se estender para experiências com bichinhos de pelúcia, mordedores macios. Na ausência da mãe, este objeto pode lhe dar segurança e a sensação dela não ter se afastado.
No segundo semestre começa a perceber que as pessoas e os objetos desaparecem de seu campo visual e inicia-se a elaboração de algo que será fundamental na sua vida: a presença e a ausência, ou seja, a separação, a perda, os limites do ser humano. Inicia-se o brincar de ‘esconder’, primeiro com ‘paninhos’ que a mãe intuitivamente esconde seu rosto, por exemplo. Estas brincadeiras evoluem para diferentes formas: esconde-esconde, procurar objetos, cabra-cega mais tarde. Sempre está em jogo a mesma questão a ser elaborada.
Também no primeiro ano, descobre diferentes topologias nos objetos: primeiro os buracos do corpo da mãe, depois nos objetos. Passa a gostar de brincar de introduzir objetos – materiais que contém o outro. Gosta de por objetos um dentro do outro, abrir e fechar, entrar nos móveis. Descobre que saem coisas do seu corpo e entram outras: tudo que pode servir para ele executar o dentro e fora lhe dará prazer: pode ser o armário de panelas, latinhas simples que cabem uma dentro da outra. Não interessa a sofisticação do brinquedo, mas que lhe dê a possibilidade deste tipo de exploração. Todos estes brinquedos desenvolvem a criança em todos os sentidos.
Por volta dos dois-três anos, começa a perceber a funcionalidade dos objetos e a primeira coisa mais interessante está ligada a cena da alimentação: pratinhos com talheres lhe dão a satisfação de representar esta cena e a sua capacidade de simbolizar se inicia, repetindo cenas prazerosas ligada à isto. Cenas que apresentam a diversidade de seres vivos, como os animais, começam a lhe dar prazer em manusear: fantoches de animais que lhe trazem a diferença de formas e sons deles. O movimento também lhe dá prazer imenso, já que está caminhando e pode acompanhar certos brinquedos que se movimentam, agora já com certa funcionalidade: carrinhos, por exemplo. Um apita, outro é grande ou pequeno, um é trem, outro igual ao carro do papai. A diversidade lhe seduz e enriquece.
Está discriminando familiares diferentes: a vovó, a tia, o irmão. Tudo isto lhe dá prazer em perceber e brincar de diferentes formas. Estas cenas familiares são prazerosas, podendo ser representadas via fantoches, via quebra-cabeças simples, etc…
Os livros também são brinquedos importantes: trazem o jogo de cenas, cores, aspectos que fazem o brincar com os sentidos, a cognição, o motor e o emocional.
Em torno de 4-5 anos ainda não está se inserindo nas regras do brincar, mas ainda não as compreende: pode ser introduzido de forma simples, como jogos a dois, com bola, materiais pedagógicos, onde é convocado a esperar a sua vez para jogar, por exemplo. Desta forma, começa a ter que perceber que existe o outro e este quer ser respeitado na sua vontade também.
Surgem, aos poucos, os heróis para os meninos, simbolizando a preocupação com a força e os vínculos identificatórios com os adultos. Brincar com isto é começar a sonhar com a possibilidade de crescer e vir a ser como estes adultos que admira e nos quais sente proteção.
As meninas, predominantemente, passam a gostar do funcional das bonecas: agora cuidam, fazem cenas familiares onde representam os cuidados femininos com os filhos. Ë a representação do jogo identificatório com a figura materna. Também podem expressar o que sentem com estes cuidados e elaborar certas cenas nas quais são passivas.
Trata-se de um brincar que vai executando situações vividas e possibilitando elaboração de sentimentos, saída da passividade ao adulto e o ativo do que representa a sua individualidade. Aparecem personagens que dizem respeito àquelas individualidades: cada um gosta mais de algo específico às suas experiências. Já é muito importante deixar escolher, pois é a possibilidade de elaborar questões psicológicas via estas escolhas.
É muito importante já brincar sozinho: espaço para criar, fantasiar suas realidades e dar formas singulares para as brincadeiras. Se o adulto não deixa este espaço, está tolhendo mecanismos de resolução desta criança, consequentemente, bloqueando sua capacidade de elaboração e adaptação ao mundo, ou seja, enfraquecendo-o.
Começa o prazer em brincar com os outros e também, as brigas para permanecer dono das regras: os limites são necessários para que ele saia do trono e viva em grupo.
Nesta etapa é prazeroso sentir que tem poder: por isto gostam dos controles remotos. Eles são importantes, mas também devem ser acompanhado de brinquedos que exijam criatividade e esforço para brincar, caso contrário, estaremos apenas estimulando a dificuldade de tolerar frustrações e bloquear a capacidade de criar soluções próprias no mundo.
Brincar de casinha e tudo que é similar continua importante até 8-9 anos, pois vai se complexificando: começa com cenas familiares simples e acaba no enfeitar a boneca para namorar ou passear, trabalhando as identificações.
Jogos virtuais também são importantes: desenvolvem habilidade perceptivas, motoras e cognitivas e também emocionais.
O importante é a dosagem de tudo: cada brinquedo na sua época é intensamente ‘brincado’, até cumprir o seu papel elaborativo das emoções que ele representa e é este o seu valor. Se a criança não consegue passar da fase, fixando-se exageradamente num tipo, os pais podem se perguntar o que está acontecendo com ela e ajudá-la. Por exemplo, se não brinca socialmente, só quer videogame: provavelmente, brincar com os outros está difícil. Porque será? Será que não quer sair do ‘trono’, quer sempre ter a razão? Será que não se sente querido e aceito por achar-se inábil? Enfim, algo deve ser feito para ajudá-la.
Com a escolaridade abrem-se muitas oportunidades diferentes para o brincar: as regras, o virtual, o grupo, a alfabetização. Os pais, na medida do possível, devem oportunizar experiências diferentes e isto não implica em sofisticação de materiais. A motricidade, por exemplo, pode ser exercida, tanto em árvores, como num parque sofisticado.
Questões fundamentais:
Quando a criança não brinca está doente. Isto é definitivo e certo. É preciso investigar e resolver.
Dosagem: brincar sozinha e brincar junto com alguém. Precisa equilíbrio nisto, o que significa saúde emocional também.
Criar brinquedos e brincadeiras é necessário. Se a criança não consegue criar nada, também deve preocupar os pais.
Não se deve dar sempre o brinquedo logo que é pedido: o espaço entre o pedir e o ganhar possibilita o desenvolvimento da capacidade de sonhar e criar, vital para a vida dela.
Excesso de brinquedo atrapalha a capacidade de escolher e brincar.
Brinquedos devem ir evoluindo e conseqüentemente, ir saindo do seu campo visual, de preferência, ir passando para outra criança que vai aproveitá-lo: desenvolve a capacidade de colaboração e ajuda ao semelhante, bem como, a olhar para a frente, para o futuro e buscar novos estímulos. Só devem ser guardados aqueles brinquedos muito especiais para ela, e ainda, de forma a sair do seu campo visual após determinado tempo. Ela deve participar disso e ser estimulada a crescer.