Confiança no filho adolescente deve começar a ser construída na infância

Melissa Diniz
Do UOL, em São Paulo 03/04/2016 

Proibir filho de fazer tudo não estimula desenvolvimento da autonomia (Getty Images)

Não é fácil dominar o medo e permitir que o adolescente caminhe com as próprias pernas. A necessidade de afastar o filho dos perigos do mundo pode levar alguns pais a agirem de maneira paranoica, desestimulando sua autonomia. Mas como saber se o filho merece confiança?

Segundo a psicóloga Vera Zimmermann, coordenadora do Cria (Centro de Referência de Infância e Adolescência) da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), a construção da confiança se dá desde a infância. “Os pais têm duas funções primordiais, dar o sentimento de pertinência para a criança, mostrando que ela é aceita pela família, e, ao mesmo tempo, desenvolver sua autonomia, para que possa caminhar sozinha”, declara.

Para Vera, embora a proteção seja necessária, tanto na infância quanto na adolescência, não deve se sobrepor ao exercício da independência. “O ideal é combinar o cuidado com oportunidades para que o filho se desenvolva de maneira gradativa e supervisionada. Por exemplo, pode-se permitir que ele vá a uma festa, mas com horário certo para voltar e com a combinação de ligar, caso algo aconteça”, afirma.

De acordo com a especialista, um dos erros mais comuns que os pais cometem é enviar mensagens desestimulantes, que passam para o filho a ideia de que ele estará por conta própria se algo der errado em sua iniciativa. “Isso acontece quando dizem que a criança pode até ir brincar na casa do amigo, mas, se cair, que não venha chorar. Pai e mãe precisam dizer o contrário. Vá, tome cuidado e, se precisar, chame que estaremos aqui.”

Segundo Marilda Novaes Lipp, psicóloga cognitivo-comportamental e autora do livro “O Adolescente e seus Dilemas” (editora Papirus), o jovem necessita de espaço emocional para experimentar e aprender a lidar com os desafios do mundo dos adultos. “O equilíbrio entre impor limites e dar liberdade sempre foi um dilema entre pais e filhos. É preciso estabelecer regras claras de conduta e ficar atento para proteger os filhos de situações perigosas, como uso de drogas, dirigir embriagado ou cair na promiscuidade sexual”, diz.

A psicóloga diz que os pais devem tomar cuidado para não entrarem em uma jornada de paranoia, desconfiando e vigiando demais, principalmente quando não há motivos para isso. “Uma fiscalização intensa e persecutória só leva o jovem à rebeldia. Confiar no filho é essencial, com cautela. O ideal é manter o diálogo aberto desde a infância, assim, quando ele chegar à adolescência, não haverá necessidade de vigiar.”

Outra atitude que deve ser evitada pelos pais é o hábito de nunca dar razão ao filho. “Pais devem validar a opinião dos filhos, mesmo que não concordem com ela e jamais devem duvidar do sucesso e da capacidade deles. Devem, ao contrário, encorajá-los, guiá-los, apoiá-los, mostrando que acreditam em sua capacidade de vencer na vida”, fala Marilda.

Para ela, quando o diálogo é cultivado desde cedo, os filhos tornam-se aliados dos pais, pois sabem que receberão apoio em situações difíceis. “Recomendo, entretanto, que fiquem atentos às companhias, pois, como a adolescência é o período em que os jovens testam os valores, pode ocorrer de adotarem, mesmo que temporariamente, o comportamento dos amigos.”

Na opinião de Vera, pais invasivos demonstram que não construíram com tranquilidade a relação de confiança com os filhos. “Sentem que falharam em seu trabalho como pais e ficam sempre pensando que vai acontecer uma desgraça.” Outra possibilidade é projetarem nos filhos a própria experiência, mas o resultado da vigilância excessiva pode ser bastante nocivo. “Se existe muita invasão, a tendência é fazer escondido”, diz Vera Zimmermann.

Situações extremas, entretanto, exigem intervenção do adulto responsável. Mesmo que isso signifique vasculhar a mochila, o celular ou vigiar de perto. Isso acontece quando o vínculo de confiança já foi quebrado e o adolescente dá sinais de que algo não está bem, mudando de comportamento. “Há momentos em que a experimentação excede o limite e é preciso que um adulto entre em cena e contenha”, declara.

Para Marilda, em algumas situações, é melhor fiscalizar do que ser negligente. “Conheço casos em que o adolescente se enfurecia com a vigilância porque estava usando drogas e não queria que os pais descobrissem. Apesar da revolta do jovem, isso possibilitou que ele recebesse ajuda.”

http://estilo.uol.com.br/gravidez-e-filhos/noticias/redacao/2016/04/03/construcao-da-confianca-no-filho-adolescente-deve-comecar-na-infancia.htm

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Dra. Vera Blondina Zimmermann
Dra. em Psicologia Clínica - PUC-SP, Professora afiliada do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Coordenadora do Núcleo Bebês com Sinais de Risco em Saúde Mental no mesmo departamento. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto SEDES SAPIENTIAE onde coordena o curso Clínica Interdisciplinar da Primeira infância.

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