Mais do que brinquedo a criança precisa de… (Quando o brinquedo pode ser um vilão do desenvolvimento infantil)

Nós, adultos, temos dificuldade de imaginar o brinquedo ocupando um lugar diferente do lugar de “Herói” do desenvolvimento infantil.

Mas, como poderia, um objeto em geral feito para estimular o crescimento e proporcionar momentos de grande prazer, transformar-se num símbolo de abandono e desenvolver uma patologia, passando a ser “ vilão” do desenvolvimento?

Pensemos o que acontece desde o nascimento: nos primeiros meses o mundo do bebê é fundamentalmente a figura materna. Desde os cuidados corporais é dela que emana seu prazer, produzindo as primeiras significações que se constituirão nas bases de seu psiquismo. Mas, para se desenvolver ele precisa de outras experiências, fora do entorno da mãe. É ai que aparece a função do brinquedo, como um dos representantes do mundo externo, mundo que a criança precisa descobrir e nele crescer. Com os mesmos sentimentos vividos explorando o corpo da mãe, ele passará, com a ajuda da mesma e dos outros familiares, a olhar para os objetos ao seu redor e explorá- los.

No início, uma fraldinha, uma chupeta, um travesseirinho, um bicho de pelúcia… objetos prazeirozos que fazem uma ponte entre a mãe e o mundo desconhecido. A criança vai aprendendo a ficar só, consolando-se com algo que preserva a sua lembrança. Com isto começa todo o processo de simbolização, ou seja, a capacidade de criar algo no vazio da ausência da figura materna.

E vão chegando os outros brinquedos…. e brincar torna-se necessário, vital para o desenvolvimento. Mas quando ele deixa de ser uma possibilidade de descobertas?

Um desses momentos é quando o brinquedo está mais a serviço de manter a criança longe dos pais para não incomodar. Não estamos falando aqui daquela distância necessária para que ela desenvolva sua própria autonomia, mas do empurrar para outro espaço , onde os pais não precisam ocupar-se dela.

Também é inadequado o excesso de brinquedos para satisfazer todos seus desejos, o que expressa uma atitude de não querer assumir a parte desagradável da função materna e paterna. Afinal, nem todos os adultos mostram-se em condições para enfrentar a birra, a intolerância, a frustração do filho e aí ajudá-lo a sentir que é capaz de suportar certa dose de desprazer, deixando de se ver como centro do mundo, consequentemente, torná-lo um ser social, capaz de perceber os outros ao seu redor.

Por outro lado, o excesso de oferta também pode representar uma tentativa de satisfazer as frustrações trazidas da infância dos próprios pais. Neste caso, dando aos filhos, eles estão tendo a vivência de dar a si mesmos, esquecendo que se agora estão podendo adquirir os brinquedos, certamente isto também se deve a certo grau de frustração que tiveram, o que os capacitou a desenvolver mecanismos para lutar, para conquistar um espaço social valorizado. Muitos pais não de dão conta que dando em excesso para os seus filhos, estão roubando deles o direito de também desenvolverem estas capacidades.

Ainda, os pais tendem a esquecer que o brinquedo pode ser mais rico para o desenvolvimento da criança, quando as questões que ele suscita na mesma encontram ressonância nos adultos, como por ex, ao ocorrer trocas de sentimentos e ideias a partir do brincar.. Trata-se de uma excelente possibilidade dos pais verificarem as reações dos filhos frente a determinadas situações, caricaturas da vida real para as quais as crianças precisa preparar-se. Nestes momentos colocam-se inúmeras possibilidades de serem passados os valores, a filosofia de vida, enfim, aquilo que os pais gostariam que os filhos herdassem deles, ou pelo menos, refletissem a respeito.

Sem esta troca com os adultos, mantendo apenas uma troca entre iguais – ou seja, crianças da mesma idade – corre-se o risco de apenas termos os filhos ocupados com os brinquedos e só mais tarde, a partir da adolescência, começaremos a ver o produto que criamos, produto cujo processo deixamos de acompanhar. Podemos acabar sentindo-o como um estranho e ter muitas surpresas desagradáveis.

Está comprovado que nossos filhos necessitam de estimulação para poderem enfrentar a diversidade e competitividade existente no social, mas o que identificamos com frequência na clínica infantil são sintomas hipercinéticos, advindos de estimulações inadequadas e da ausência crítica do adulto para com o fazer da criança. Nossa geração, de pais, em geral, está absorvida no trabalho de adaptar-se ao ritmo alucinante das mudanças sociais e do mercado de trabalho e por isto tende a distanciar-se de um acompanhamento mais efetivo dos filhos, e, para compensar, oferecem-lhes mais brinquedos. Tendem a interpretar o fato dos filhos estarem ocupados com brinquedos, virtuais ou não, como sinônimo de estarem bem.

Enfim, está comprovado que a criança só pode absorver grandes quantidades e diversidades de informações de forma apropriada, produtiva para seu desenvolvimento, se tiver uma boa organização psíquica de base, o que a capacita a tecer comparações com o novo que se apresenta a cada nova experiência que um brinquedo propicia. Por exemplo, se ela tiver dentro de si informações bem organizadas sobre como é sua família, o que pensam, como sentem e como agem, poderá fazer comparações com outras famílias que venha a conhecer e enriquecer-se com esta análise. Caso contrário, organizará uma massa de informações sem grande proveito para seu crescimento intelectual e afetivo, com o risco de apenas levantar ansiedade e agitação.

Nesta mesma linha de observação é importante analisar a questão do brinquedo virtual, como o “ brincar na Internet”. Aquilo que significa uma riqueza de informações, possibilidades infindáveis de conhecimentos, também pode tornar-se uma forma de criar confusão psíquica, caso a criança não encontre interlocução com os adultos responsáveis pela sua educação. A riqueza do desconhecido é potencializada a partir de uma referência familiar segura, caso contrário, pode ser apenas mais um dado num programa de computador localizado naquela mente infantil, ou então, provocar adesões sem crítica a qualquer lado que for apontado para ser seguido.

Portanto, quanto mais a criança está sendo estimulada, direta ou indiretamente pelos pais e ambiente, mais necessita de um olhar cuidadoso do adulto, uma frequente atenção para o que e como ela está absorvendo as novidades, trocando com ela opiniões, ajudando-a a organizar e reorganizar suas experiências.

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Dra. Vera Blondina Zimmermann
Dra. em Psicologia Clínica - PUC-SP, Professora afiliada do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Coordenadora do Núcleo Bebês com Sinais de Risco em Saúde Mental no mesmo departamento. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto SEDES SAPIENTIAE onde coordena o curso Clínica Interdisciplinar da Primeira infância.

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