Falando em NATAL

04/12/2005
[por Débora Yuri e Roberto de Oliveira]

 

Quando é hora de revelar às crianças a identidade do Papai Noel?

13 personalidades contam como viveram a descoberta

Na lógica singular do mundo infantil, mesmo desconfiada, a criança pode “escolher” dar uma vida mais longa ao bom velhinho.

É GOSTOSO ACREDITAR

– Mãe, Papai Noel existe ou não?

– Tu queres mesmo saber?

– Quero.

– Olha, filha, essa é uma história muito bonita que os pais contam, mas ele é só imaginação.

A menina ficou quieta por alguns segundos, pensou um pouco e disse:

– Mas eu posso acreditar no Papai Noel mais um pouco?

– Claro!

E foi assim, com uma pitada nonsense que faz o maior sentido quando se tem cinco anos, que a pequena Laura “decidiu” dar uma sobrevida à fantasia do bom velhinho. “Ela passou pelo menos mais um Natal acreditando em Papai Noel”, lembra a mãe, a psicanalista gaúcha Diana Corso, autora do livro “Fadas no Divã” (editora Artmed), em que esmiúça o significado dos contos de fadas clássicos e também de heróis infantis contemporâneos, como Harry Potter.

Papai Noel, porém, pertence a outra categoria, não é figura de livrinhos de história -ele “existe” em carne e osso durante boa parte da infância. “Tenho três irmãos, um pequeno, um ‘médio’ e um maior. Todos eles já me falaram que Papai Noel não existe. Na minha classe, tenho amigos que também dizem isso, mas eu não ligo. Eu acredito porque ele aparece nas festas de Natal”, afirma Raquel Ayumi Fujioka, 7, que segue à risca o figurino natalino. “Deixei uma carta escondida embaixo do travesseiro, aí ele veio e pegou. Neste ano, pedi um laptop. Ele sempre me dá o que eu quero”, conta, séria.

Tanta fé deixa muito pai agoniado sobre a idade certa para contar à prole a verdade sobre o barbudo gorducho e bonachão vestido de vermelho. “O momento ideal é quando o filho perguntar em tom de questionamento, com desconfiança. Não há idade-limite, tipo seis, sete ou oito anos”, diz Diana Corso.

Ainda mais porque a infância é cheia de oscilações e obedece a uma lógica bastante singular. “Minha filha caçula costuma dizer: ‘Nunca acreditei no Papai Noel, mas gosto dele’. Depois de uma certa idade, todos os pequenos sabem que se trata apenas de imaginação, mas curtem entrar na brincadeira. Para eles, nada é definitivo, é possível mudar de idéia”, explica a psicanalista.

Além disso, a verdade – ou a descrença – nunca vem de uma só vez, mas em vários “rounds”. A criança vai percebendo as falhas da historinha: falta a neve do Natal, o apartamento que não tem chaminé nem lareira, Papais Noéis mirrados pipocando por todo canto… “Aos poucos, ela vai armando ciladas para os pais, e todo mundo entra na jogada. O filho pergunta: ‘Mãe, mas eu vi três Papais Noéis no shopping, como pode?’. Aí ela responde: ‘Não, esses são ajudantes dele…’.”

Até que chega o dia em que a criatividade paterna para inventar remendos não é mais suficiente. “Descobri que Papai Noel não existia com seis anos”, conta Juliana Albertoni, 10, que no próximo dia 25 espera ganhar – dos pais – uma bola de vôlei, um fone de ouvido e o DVD do filme “Madagascar”.

A maneira como fez sua descoberta não poderia ser mais indicativa dos novos tempos. “Na noite de Natal, tocou o interfone de casa, eu atendi e o porteiro falou: ‘O Papai Noel que você contratou está subindo’. Não disse nada aos meus pais, recebi meus presentes, mas dava pra ver que o cabelo dele não era branco, era marrom”, lembra.

Algum tempo depois, Juliana compartilhou sua descoberta com o irmão, Luís Felipe. “Quando ele tinha quatro anos, falei: ‘Sabia que Papai Noel não existe?’. Ele perguntou por que, eu expliquei e agora ele não acredita mais. Mas não quis contar a todas as minhas amigas, cada uma acredita numa coisa. Até hoje o Papai Noel vai na minha casa, porque tenho primos que ainda esperam por ele.”

Pois que a fantasia seja eterna enquanto dure, defende a psicanalista Vera Zimmermann, professora do departamento de psiquiatria e coordenadora do ambulatório do Centro de Referência da Infância e Adolescência da Unifesp. “Fantasiar faz parte do crescimento durante toda a vida e é uma experiência vital ao psiquismo. É o ato que nos permite suportar vivências difíceis e nos ajuda a lutar para conquistar nossos objetivos”, afirma.

Até por isso, a criança não pode ter todos os seus desejos imediatamente satisfeitos: deve haver um espaço entre o surgimento do desejo e sua realização, diz ela. “Nesse espaço intermediário, ela constrói, via fantasia, as estratégias para conseguir o que está desejando.” Ao mesmo tempo em que, gradativamente, vai adquirindo a noção de realidade e fantasia.

Vera sugere que os pais não se preocupem com o momento certo de dizer a verdade. “Na medida em que a criança começa a separar o mundo da fantasia do que é real, ela mesma buscará indícios para resolver isso. Aí, o importante é não negar o que ela percebe. Por outro lado, não se deve empurrá-la para a verdade precipitadamente, porque ela ainda não estará preparada para viver essa ruptura.”

Que o diga a psicóloga Rosane Moderno Schiller, coordenadora do departamento de psicologia da educação infantil do Colégio Santo Américo: “Outro dia, um aluno entrou na minha sala chorando porque o irmão tinha contado que Papai Noel não existe. Ele dizia que acreditava nele porque o via. Eu disse que ele devia ficar com aquilo em que acredita”. Mais um caso em que Noel deve ter ganho uma moratória existencial.

Bem & mal

Não existe uma versão única para o surgimento da lenda de Papai Noel. Acredita-se que ela tenha ganho força na virada do século 18 para o 19 e remonte à tradição européia, principalmente alemã. “Santa Claus e Black Peter formavam uma dupla antagonista de velhos que carregavam sacos. O primeiro era bonzinho e distribuía doces para as crianças; virou Papai Noel. O segundo levava no saco quem era mau e se tornou o Velho do Saco, uma das fobias infantis mais comuns. É a mesma figura desdobrada”, explica o psicanalista Mário Corso, co-autor de “Fadas no Divã”.

A imagem do bom velhinho que chega num trenó puxado por renas é comum às sociedades que vivem no norte da Europa, mas só ganhou sua forma atual, com roupa vermelha e chapéu, no século 20. “Trata-se de uma figura ligada ao catolicismo, mas não é bíblica, porque vem da tradição folclórica. Não existe paralelo em outras religiões”, diz Corso.

Isso explica o fato do velhinho presenteador ser parte integrante da infância de gente de diferentes credos. “Eu sou judia e, na infância, ia curtir o Papai Noel na casa da minha vizinha. Passava a noite toda esperando por ele, que sempre me trazia um presente”, lembra Diana.

Há pais que não se sentem confortáveis em alimentar o mito e têm dúvidas sobre a validade de deixar (ou fazer) o filho acreditar numa mentira. A educadora Rosane Schiller acha que não é para tanto. “A rigor, não se trata de mentira; é fantasia, uma história que vai sendo contada de geração a geração. Na infância, eles fantasiam com tudo. Só não é certo insistir quando a criança quer deixar de crer nessa história e, para isso, precisa de uma confirmação”, diz.

Papel dos pais

Assim, a melhor atitude é seguir a maré infantil. “Minha filha de sete anos descobriu com uns seis, por si própria, analisando o mundo à sua volta. Ela começou a ver tanto Papai Noel na TV, nas propagandas, em tudo quanto é lugar, via Papai Noel falando besteira, dançando Carnaval, que começou a raciocinar: ‘Tem alguma coisa errada! Cadê a magia?'”, lembra Sergio Luiz Pereira, 50, engenheiro e professor da Poli-USP. “E se ela descobriu a verdade, não sou eu que iria manter a história. Ela contou para as amigas de escola, e os pais ficaram espantados”, continua Sergio.

Mas é melhor não esquecer aquela lógica particular que rege o mundo infantil. Désirée, 7, por exemplo, desmascarou a fantasia, mas… “Ela ainda acredita na magia da Fada do Dente”, conta o engenheiro, citando a brincadeira que muitos pais fazem quando a cria entra na fase de troca da dentição. “Cada vez que cai um dente, ela o deixa embaixo do travesseiro e acorda com um presente ao lado da cama, dado ‘pela fadinha’. A gente compra e deixa lá”, diverte-se.

A família de Raquel Fujioka também não poupa esforços para manter a fantasia viva. “Na noite de Natal, deixamos cerejas e ameixas embaixo da árvore para oferecer ao Papai Noel. Aí, algum adulto sai da sala e começa a tocar o sininho, e gritamos em coro: ‘É ele!’. Apagamos as luzes, alguém dá umas mordidas nas frutas, aí aparecem vários presentes em volta da árvore”, conta a mãe, a bancária Roseli Kiyomi Ono Fujioka, 34.

Na hora de manter a tradição entram os pais que guardam boas lembranças da fantasia de infância, mas, principalmente, aqueles que se ressentem por não tê-la vivido. “Passamos para os filhos muito mais o que não tivemos. Queremos gozar da vida o que ela não nos deu e nos realizamos através da prole”, observa a psicanalista Diana Corso.

Quem se realiza comprando a superbicicleta ou a boneca de R$ 500 é o pai ou a mãe, e isso traz à mente outra cena vista com freqüência: os adultos debruçados sobre um trenzinho moderníssimo e praticamente impossível de ser montado, enquanto a criança ronca num canto do sofá.

“Quando os pais contam a história do Papai Noel, eles mostram que usam o recurso da magia, da fantasia. Os filhos gostam dessa experiência de ver os pais brincando e até mentindo – no bom sentido. E, para os adultos, faz bem porque é um momento em que o mundo fica menos concreto”, diz Diana Corso. Ou seja, na verdade, o Natal é uma boa oportunidade para os pais, que estão livres para fantasiar, dizer e fazer coisas sem sentido.

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Dra. Vera Blondina Zimmermann
Dra. em Psicologia Clínica - PUC-SP, Professora afiliada do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Coordenadora do Núcleo Bebês com Sinais de Risco em Saúde Mental no mesmo departamento. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto SEDES SAPIENTIAE onde coordena o curso Clínica Interdisciplinar da Primeira infância.

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