Entrevistas iniciais com adolescentes

Embates transferenciais no início do trabalho intrapsíquico com adolescentes

Resumo:

Discussões de problemas teóricos e técnicos pertinentes ao início de tratamento com adolescentes que apresentam dificuldades para introduzirem-se num trabalho intrapsíquico; analisam-se possibilidades de instauração do espaço de tratamento a partir de estratégias técnicas que podem favorecer este movimento.

Dentro da clínica psicanalítica difundiu-se, por longo tempo, a ideia de que era difícil adolescentes ficarem em tratamento, ou mesmo, chegarem a procurar ajuda, justificativa quase sempre atribuída à insuficiência de demanda dos mesmos.

Paralelo a essa argumentação de alguns terapeutas, ouvia-se, frequentemente, depoimentos de pessoas que passaram por tentativas fracassadas de iniciar tratamento na adolescência e que, recordando a experiência com acentuado desagrado da cena vivenciada nas entrevistas iniciais, sintetizavam o vivido com frases, tais como: “Que horror! Fiquei sentada na frente dele (do terapeuta) e foi só silêncio!”sic

Observa-se que a partir de um maior desenvolvimento da teoria e da técnica de tratamento nas estruturações chamadas de “estados-limites”, patologias narcísicas ou as denominadas de “borderline” , é que houve um maior questionamento a respeito do que se refere ao trabalho analítico com o sujeito adolescente.

A reflexão sobre o assunto passa a focar mais os aspectos pertinentes a adequação da técnica analítica usada até então, técnica esta pensada para sujeitos já com movimentos de subjetivação consolidados e que assim se define: reconstituição da neurose infantil, analisando como o sujeito organizou seu desejo em relação à diferença de sexo e de gerações, aspectos que ficam explicitados no desenrolar da neurose de transferência. Através das relações transferenciais, ele poderá desvelar o sentido de suas relações objetais passadas, disponibilizando para outros fins a energia ali ainda investida.

Nesses estudos sobre os “estados-limites”, explicitaram-se, mais claramente, as causas que impedem o desdobramento de um processo terapêutico na adolescência e inclusive, muitos autores, tais como Bergeret e Kernberg, citados por Cahn (1999, p.62), colocaram a hipótese de que as patologias dos “estados-limites” seriam detenções dos processos intrapsíquicos deste período, em situações onde o questionamento narcísico vivenciado torna-se insuportável. As investigações clínicas destes casos concluem sobre a falência do édipo enquanto organizador, devido a fragilidade das bases narcísicas que o constituem, características similares ao intra-psíquico de adolescentes que apresentam desarmonias no seu processo de subjetivação. Trata-se de um édipo que se tornou insuportável pelas tarefas intra-psíquicas exigidas nesta fase, diferentemente de quadros onde patologias narcísicas mais severas são atualizadas na adolescência.

Nessas situações, falham as capacidades da psique de administrar as cadeias de representações e suas modalidades de descarga, de expulsão intra ou extrapsíquica.Os polos de pára-excitação e dos de gerador de excitação não conseguem manter-se em equilíbrio, desorganizando a capacidade do sujeito de constituir formas novas de elaborar as angústias, o que tende mobilizar mais os mecanismos de compulsão a repetição( Freud, 1920).

Observa-se, então, que, religar e desligar, tarefas básicas do sujeito neste momento, são tomadas por esse mecanismo que interfere nas possibilidades de um trabalho de criar novas cadeias de representações.

O trabalho analítico pode constituir-se como a chance deste sujeito de encontrar novas vias de elaboração, organizando a dimensão econômica desse funcionamento intrapsíquico e possibilitando-lhe novas formas de simbolização. Porém, há que se pensar em formas de prepará-lo para este processo.

Ainda, a busca de tratamento, nesse momento, não implica só em se ter uma questão constituída que causa sofrimento, mas também, em poder-se suportar olhar para ela, pensá-la, enquanto vai sendo delineada e recortada no discurso. E, quase sempre, o intrapsíquico constitui-se em algo ameaçador enquanto conhecido/desconhecido, volta do reprimido,aquilo que causa terror ser pensado.Enfim, trata-se de enfrentar o estranho em si mesmo e a cena analítica representada principalmente pelo silêncio do analista, transforma-se em algo extremamente persecutório e, muitas vezes, impossível de ser sustentado nas entrevistas iniciais. A inquietante estranheza (Freud, 1919) sobressai-se e invade o processo de pensar.

A angústia primitiva revivida no confronto com separações e enfrentamento de limites, que reatualiza mecanismos de recusa (Freud, 1905), tende a ocasionar o uso de regressões narcísicas e/ou defesas mais arcaicas, e mesmo, em alguns momentos, a clivagem, o que reforça o estranhamento relativo à abordagem do inconsciente ( Maldavsky,1981).

O momento de enfrentamento da falta do pênis na mãe que é um momento primordial na organização psíquica do sujeito é atualizado, ou seja, aquilo que Freud denomina de castração e que se constitui na representação da operação que o sujeito terá que simbolizar á respeito da diferença entre os sexos. O registro da ausência de pênis na mulher passa a constituir-se como uma questão narcísica: a aceitação da diferença implicará em sentir ameaças ao próprio pênis concebida como o resultado de uma castração, ficando a criança, então, no “dever de enfrentar a relação da castração com sua própria pessoa”.(Freud, 1923)
.

Freud também enfatiza o caráter emocional intenso implicado nesta elaboração, lembrando que só é possível após um período longo de recusa. Isto é ressaltado no texto de 1925, “Algumas conseqüências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos” : “ Não é senão mais tarde quando a ameaça de castração adquiriu influencia sobre ele, que esta observação adquire para ele a plena significação: quando ele rememora, ou a repete, é preso de uma terrível tempestade emocional, passando a acreditar na realidade de uma ameaça, da qual até então ria.”

Tudo isto porque duas questões chaves da estruturação psíquica precisam ser mobilizadas, ou seja, narcisismo e presença e ausência da figura materna; esta última elaboração irá influenciar a resolução da diferença sexual.

Nas meninas ocorre algo diferente: no início ela julga e decide; ela vê a diferença, sabe que não o tem e quer te-lo. Portanto, no início ela se comporta diferentemente do menino e pode vir a manter a esperança de ser semelhante aos homens até uma época tardia.

A recusa enquanto mecanismo, não é considerada patológica na vida psíquica da criança, mas somente se persistir na vida adulta, segundo Freud, introduziria uma psicose.

Recusar implica numa operação que abole o sentido, enquanto recalcar possibilita uma repressão cujo sentido pode retornar, como verificamos na produção dos sintomas através do deslocamento e da condensação. Na operação de recalque, diz Freud, as coisas se passam como ela não existisse. 1918 Já descreve o mecanismo de clivagem intrapsíquica, falando em duas correntes contrárias, uma que abomina a castração e outra que tenta aceita la e este não lugar da castração, no plano simbólico, produz o retorno de vivencias de caráter alucinatório e mesmo, uma suspensão da temporalidade, que são a base da psicose.

Ao mesmo tempo, a imposição intrapsíquica de transferência dos investimentos para novos objetos, responsáveis pelas atividades de desligamento que tanto angustiam, são também o motor do processo, o que diminui sua característica de obstáculo, impulsionando o sujeito ao tratamento.

Nessas situações, condições iniciais de abertura do processo terapêutico são mais urgentes de serem pensadas do que o desenrolar do processo enquanto busca de significação. O uso desses mecanismos arcaicos, não é, necessariamente, índice diagnóstico de organização definitiva da estrutura, pois, se trabalhados, tem grandes chances de deslizarem para novas formas de organização psíquica.

Porém, como abordar analiticamente sujeitos adolescentes nos quais prevalece o uso de mecanismos de clivagem que dificultam a capacidade de auto-simbolização e de utilização do material pré-consciente, impedindo-os de aceder a posição de sujeito? Se o escopo do processo é a reconstituição da neurose infantil a partir da neurose de transferência e a primeira lhe é ausente ou insuficiente? Parafraseando Cahn, “um trabalho analítico ainda é possível, mas fora deste modelo” (1999,46). Porém, pensamos que o fato de necessitarmos olhar para o aquém da neurose-infantil não significa abandonar este modelo enquanto referência e ponto para o qual caminhamos no processo a ser desenvolvido.

Para repensarmos estratégias técnicas complementares, necessitamos olhar para inter-relação mãe-bebê, momento de constituição inicial dos fantasmas, de como esta cena foi se desenrolando antes e depois da entrada do pai. Avaliar o processo de como transcorreu o espaço de troca inicial que passou a ser a ponte entre o mundo externo e o interno.

Cahn situa esses momentos na clínica com adolescentes onde prevalecem as angústias primitivas, como ‘desarmoniose de transferência” (1999,97)onde predominam as identificações narcísicas, a hipererotização ou hiperpericulosidade do objeto, tanto interno como externo; o analista, reduzido a objeto parcial, é convocado a ser agente subjetivante. Este tipo de transferência revela e atualiza as falhas e perturbações de um processo de subjetivação em vias de acabamento e é diferente das psicoses de transferência onde ocorre uma ruptura catastrófica do processo.

Explicitando com a clínica:

Uma adolescente de 13 anos é trazida pelos pais, com a queixa de muita agressividade na família, dificuldades na aprendizagem e nos relacionamentos sociais, onde não consegue transitar com espontaneidade.

Nas entrevistas iniciais não consegue verbalizar e nem deslocar material para qualquer tipo de atividade não verbal disponível. Realiza-as num quadro de angústia crescente e depois de algumas sessões decide não retornar.

Num primeiro momento, ficamos tomados pela impotência e quase assumimos a impossibilidade de aborda-la. Mas, resolvemos tentar outra forma de aproximação, pois tomamos sua angústia como um pedido de tratamento.

Passamos a vê-la junto com seus familiares, pais e uma irmã mais velha. As entrevistas familiares vão acontecendo num enfoque de ouvi-los, mesmo não tendo claro se haveria possibilidade de ser instalado o trabalho individual buscado. Nestas entrevistas, inicialmente, os elementos da família vão discorrendo sobre questões ligada a ela, ao que fazendo-a oscilar entre o silêncio, crises intensas de raiva e isolamento corporal do grupo (fica num canto da sala, inclusive, virando-se para a parede). Diferentemente de uma abordagem de Psicoterapia Familiar Sistêmica, onde o foco seria tira-la deste lugar de “bode expiatório”, o que também parece pertinente ao caso, preocupamo-nos em criar um espaço onde o assunto deslize para momentos de discursos individuais que revelem aspectos do mundo intra-psíquico de cada um deles. Tentamos conduzir para que ocorram falas referentes a vivências de cada um, conflitos e situações prazeirosas.

No decorrer das falas também ficamos atentos as suas expressões corporais, principalmente, as faciais. Vamos percebendo sua expressão de diminuição de angústia ouvindo relatos que não a impliquem diretamente e sua surpresa frente a conteúdos conflitivos dos pais e da irmã.

Essas sessões colocam-nos tecnicamente frente a muitos impasses e angústias: até onde podemos ir? O que estamos fazendo mesmo?

A única certeza que tínhamos sempre presente era ode seu sofrimento e de sua necessidade de tratamento, certeza que os pais compartilhavam conosco.

Este trabalho transcorreu semanalmente, durante alguns meses. Neste período, apesar de ter sido feito, sem sucesso, tentativas de vê-la individualmente,fica melhor explicitado no grupo dificuldades do casal e de cada um deles, dificuldades estas que já tinham sido relatadas pelos pais nas entrevistas iniciais realizadas com eles. A diferença é que os conteúdos foram, nesta estratégia familiar, abordados na presença dela; num espaço no qual ela estava descomprometida de implicar-se, caso assim o preferisse, e freqüentemente com a nossa reafirmação de estarmos ali para que ela pudesse decidir se queria pensar individualmente o que lhe incomodava.

Surgiram conteúdos referentes ao intrapsíquico de cada um dos familiares, frente ao que nossa postura era de ouvir e ir pontuando diferenciações das questões da paciente. Também surgiram muitos conteúdos que levaram a discussões de valores e regras ligados aos conflitos entre pais e filhos, discussões das quais ela participava, quase sempre, intempestivamente, gerando conflitos próximos de ataques físicos. Nossa presença parecia apaziguar e impedir a passagem ao ato da agressão.

A reintrodução do espaço individual dela ocorreu num momento no qual a irmã, mobilizada por questões particulares, solicitou-nos uma sessão. Neste momento reafirmamos o objetivo e a paciente marca seu espaço, querendo retomar as suas sessões. A partir daí reiniciamos o trabalho individual e espaçamos as entrevistas com a família, até não mais reuni-los. Nesta última etapa a irmã e o pai solicitaram encaminhamentos individuais para tratamento, revelando que o trabalho também produziu efeitos de organização de demanda neles.

Discutindo a técnica:

Como colocamos acima, pensamos que a alternativa de escuta familiar usada para propiciar a organização da escuta individual, não é explicada suficientemente pelo referencial da Terapia Familiar Sistêmica, cuja importância também é relevante nestas situações.Este referencial focalizaria o êxito da abordagem na possibilidade da discussão sobre o sintoma da paciente e no deslocamento para outras questões relativas aos outros membros da família, ou seja, ela ter podido sair do lugar de “bode expiatório” (Minuchin, 1980).

Sabemos que houve um trabalho de diferenciação e explicitação de lugares que certamente favoreceu a diminuição de angústia da paciente, a partir da diminuição de investimento da família nas questões dela. Porém, o que penso ter sido fundamental no uso desta estratégia foi sustentar um espaço que intermediou o confronto com a realidade intrapsíquica que lhe apavorava, o que parece ter funcionado como um espaço transicional que, nestes casos, é indispensável ao processo elaborativo inicial.

Enquanto percebíamos sua fisionomia relaxar ao escutar um familiar falar de si, lembrávamos de momentos da psicanálise com crianças, onde costumamos usar o recurso técnico de aproximação de conteúdos, recurso este que consiste em fazer diálogos com personagens envolvidos na cena lúdica: vamos conversando com determinados personagens, com bonecos ou mesmo em desenhos, tentando usá-los como intermediários, aproximações dos conteúdos distanciados defensivamente pela criança. Desta forma, aparentemente distanciada, ela vai conseguindo aproximar-se e aos poucos, ir implicando-se sem o uso de defesas que impedem o prosseguimento do trabalho.

A diferença que nos parece existir é que esta estratégia de aproximação dos conteúdos no tratamento de crianças é também uma forma de ajuda-la na construção de sentidos, dar corpo a certos aspectos ainda não possíveis de serem identificados verbalmente. No caso de adolescentes a dificuldade não é só pela falta de recurso simbólico, mas também pelo seu evitamento enquanto denúncia de suas questões incorporadas por identificação narcísica ou por identificação com o agressor.

Também, penso que um início de tratamento constitui-se para este tipo de adolescente como um confronto com a castração, insuportável se não intermediada por alguma estratégia que minimize a angústia do enfrentamento deste desconhecido. Este “estranho” dentro de si, quase como um terceiro, o novo que é antigo, mas assustador por estar reprimido, precisa ser apresentado pelo terapeuta. Podemos lembrar Winnicott (1951) quando fala que uma boa dupla cria o terceiro, ou seja, há necessidade do terapeuta organizar junto com o paciente este lugar para o novo a ser olhado, que é seu mundo intrapsíquico, mas ainda não sentido como tal, devido ao uso de mecanismos projetivos e de cisão (clivagem) que predominam neste momento(Freud,1938).

Faz-se necessário ocorrer fatores no enquadramento que estão na origem da incapacidade de subjetivação e que devem ser revividos e ultrapassados, tais como continuidade, confiabilidade e continência das angústias primitivas, o que acreditamos ter sido sentido pela paciente no decorrer dessa experiência.

Cabe aqui ressaltar que precisamos diferenciar isso que estamos chamando de estratégias de intermediação daquilo que pode ser nominado como atitudes sedutórias do terapeuta, tais como se fazer simpático ou ficar submetido a pedidos que não representam a
necessidade em função desta dificuldade específica. Ao contrário, o temor de parecer sedutório, também pode levar a uma rigidez de enquadramento que impede o desenrolar do tratamento, como comentamos no início do trabalho.

O não entendimento desta questão enquanto requerendo um complemento da técnica analítica, em função da necessidade de momento de subjetivação, ocasiona também uma atitude de desqualificação por parte do terapeuta, que se sente desconfortável em ter que sair do setting estabelecido pela técnica usada com o sujeito já mais constituído.

É interessante este movimento contra-transferencial comum aos terapeutas de adolescentes quando, muitas vezes, precisam ficar sessões “conversando” sobre assuntos cotidianos ou sobre aspectos concretos da realidade concreta, tais como, música, futebol ou algo que lhe interesse. Trata-se de um incômodo diferente daquele sentido no tratamento com crianças em momentos defensivos ou empobrecidos, representados pela repetição mecânica de um jogo; também não é igual à reação frente a um sujeito adulto que se apresenta estruturado como “limite”, e cuja cena analítica também é rompida e necessita de estratégias complementares a técnica pensada para a neurose.

No adolescente emerge a angústia, com toda a intensidade, e a urgência de resolve-la, quase sempre explícita; sua questão com a temporalidade, com a imediatez e a ebulição de todos os mecanismos intrapsíquicos que convoca o terapeuta nestes momentos e, então, sentimentos contratransferências tendem a atrapalhar o processo.

O favorecimento e a sustentação de um espaço para o surgimento de elementos outros que não apenas conteúdos a serem diretamente desvelados, tais como, objetos culturais comuns (livros,filmes,etc…) são possibilidades a serem, cuidadosamente, trabalhadas e, aos poucos, integradas. Aquilo que se parece unicamente como um discurso narrativo, exige a criatividade do analista, sua capacidade de não repetir a intrusividade ou a ausência do objeto original, conforme modelos descritos por Winnicott e Bolas(1989), citados por Cahn(1999). Trata-se de um trabalho em transferência, sem analisa-la.

Escolher trabalhar em transferência nas entrevistas iniciais, ao contrário de interpretar a transferência como na técnica Kleiniana, vai de encontro à estratégia de não repetir na relação terapêutica a intrusividade do objeto que pode estar na origem da situação de evitação.

E, mesmo quando instalado o trabalho intrapsíquico e a técnica poder centrar-se na “neurose de transferência”, não podemos deixar de focar as vicissitudes dos mecanismos de ruptura, de cisão, que invadem constantemente o trabalho analítico buscado. Mecanismos de recusa (Freud, 1923, 1927)) tendem a serem usados, sem que isto signifique sua definição na estrutura do sujeito adolescente.

Estas rupturas podem ser representadas por movimentos intrapsíquicos detectáveis no próprio material das sessões, onde temos condições mais favoráveis de trabalho; nestes casos podemos trabalhar no sentido de resignificar ou mesmo, significar o material indiciático, como Sílvia Bleichmar trabalha naquilo que chama de neo-gênese (1993, 157). Consiste em possibilitar, no processo analítico, uma “ancoragem para as mobilizações de investimentos que se precipitam para a descarga (1993, 158-159).” Entende que situações de descarga motriz ou verbal desenfreada podem ser detidas com uma ligação de um afeto com uma representação mediante a palavra que funcionará como apaziguamento da descarga.

Porém, o que é mais comum acontecer no trabalho com o adolescente, quando o psiquismo não dá conta da necessidade simbólica ou quando prevalece a recusa e o “estranhamento” , são rupturas reais, na conduta. Daí as dificuldades de mantermos um setting de trabalho com sistemática previsível no contrato inicial; horários e férias, por ex, precisam ter certa flexibilidade, para que não precisemos caracterizar como desqualificação da lei às modificações que necessitaremos fazer, pois isto não se configura necessariamente como um ataque, mas um evitamento do “estranho” dentro de si.

Na verdade, o trabalho inicial deve ser o de acompanhar a luta do adolescente para afirmar-se numa posição de sujeito que ainda não terminou de configurar e que o possibilitará pensar-se, analisar-se. Isso, implica no uso de estratégias que intermediem o confronto direto com o intra-psíquico, minimizando as angústias primitivas insuportáveis, agudizadas num início de tratamento.

Psychê – Revista de Psicanálise Ano V – Nº 8 – 2001 São Paulo – p. 171-182
Centro de Estudos e Pesquisa em Psicanálise da Universidade São Marcos

BIBLIOGRAFIA

BLEICHMAR, Sílvia. La Fundación de lo inconciente. Buenos Aires, Amorrortu,1993.

CAHN, Raymond. O Adolescente na Psicanálise – a aventura da subjetivação. Rio, Companhia das Letras, 1999.

FREUD, Sigmund. (1905) Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. ESB.Rio de Janeiro: Imago, vol .XI.

______________ (1909) Cinco Lições de Psicanálise. ESB.Op. Cit. v.XI.

______________ (1912) Recomendações aos Médicos que exercem a Psicanálise.ESB. Op.cit.,v. XII.

______________ (1912) A Dinâmica da Transferência.ESB. Op.cit., v. XII.

_____________ (1913) Sobre o Início do tratamento(Novas recomendações sobre a Técnica da Psicanálise).ESB.Op.Cit,v. XII.

______________ (1918) História de uma neurose infantil. ESB.Op. cit., vol. XVII.

______________ (1919) O estranho. ESB.Op. cit., vol. XVII.

______________ (1920) Além do Princípio do Prazer. ESB. Op. Cit., vol. XVIII.

______________ (1923) A organização genital infantil. ESB.,Op. Cit.v.XIX.

_____________ (1925) Algumas consequëncias psíquicas da diferença anatômica entre os sexos. ESB.Op. cit., vol. XIX.

______________ (1927) O fetichismo. ESB.,Op. Cit., v.XXI.

______________ (1938) A divisão do ego no processo de defesa.ESB.Op. Cit.,.XXIII

GREEN, André. Narcisismo de Vida-Narcisismo de Morte. São Paulo: escuta, 1980

MALDAVSKY, David. Transformaciones representacionales constituyentes del aparato psíquico en la adolescencia. In Quiroga, Susana E. Adolescencia: de la metapsicologia a la clínica. Buenos Aires, Amorrortu, 1981, cap. 1.

MINUCHIN, Salvador. Famílias – Funcionamento & Tratamento. Porto Alegre, Artes Médicas, 1980.

WINNICOTT, D.W. Da Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves, p. 389-408, 491-498, 1988.

Deixe um comentário

logo_verabzimmermann_footer

Dra. Vera Blondina Zimmermann
Dra. em Psicologia Clínica - PUC-SP, Professora afiliada do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Coordenadora do Núcleo Bebês com Sinais de Risco em Saúde Mental no mesmo departamento. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto SEDES SAPIENTIAE onde coordena o curso Clínica Interdisciplinar da Primeira infância.

ArtyWeb Designer© {2020}. Todos os direitos reservados.