Clínica psicológica? Por quê?

Revista Aprendizagem – Editora Melo – ano 2 – número 6 Maio/Junho-2008 – p.23 – Pinhais – Paraná

Um dos maiores desafios dos profissionais de saúde mental da infância é decifrar o sintoma que a criança apresenta e nos convoca a resolver. Um olhar fenomenológico não será capaz de discriminar um sintoma de hiperatividade, por exemplo, está denunciando, entre outras coisas, uma estruturação psicótica a caminho de enunciação, um quadro neurológico, um ambiente familiar desorganizado, um conflito neurótico, uma reação frente a situação ambiental traumática ou simplesmente, uma reação saudável frente a um sistema familiar e/ou escolar que não aproveita seu potencial.

Para elucidar a etiologia e decidir sobre a alternativa terapêutica adequada teremos que realizar uma investigação que abrange principalmente conhecimentos importantes de psicologia do desenvolvimento, psicopatologia, movimentos constitutivos do psiquismo, bem como domínio de técnicas de tratamento. Além do diagnóstico, temos a intervenção terapêutica que também deve ser diferenciada.

Assim, se os sintomas representam um pedido de intervenção constituinte do sujeito, ou seja, alguém que ajude a criança a se organizar dentro de suas necessidades de narcisização e diferenciação, será indicada uma intervenção por um profissional e/ou uma equipe multidisciplinar que conheça os processos de subjetivação e seja capaz de dimensionar a complexidade do processo de simbolização. Esta abordagem terá sucesso se usar um referencial teórico que contemple a totalidade da problemática e focalize a relação com a criança. Nestas patologias, trata-se de criar as estruturas de base do sujeito e um profissional que possua esta visão poderá intervir com sucesso. Mesmo assim, após as bases construídas, quando o sujeito emerge com pedido de desvelar significações, faz-se necessário que estes profissionais discriminem a especificidade das diferentes formações, caso contrário, a tendência é criar uma estagnação num momento simbiótico da constituição do psiquismo.

Por outro lado, se o sintoma estiver denunciando um conflito inconsciente, necessitará de procedimentos terapêuticos específicos que o conduzam, num devido tempo e forma, para um desvelamento de sentidos, até atingir sua causa etiológica. Um menino, por exemplo, com dificuldades na matemática, depois de um tempo de trabalho psicológico, confessa assustado que ao olhar para o sinal de adição sente-se mal e pensa na possibilidade de morte do pai. Trata-se de uma dimensão de fenômenos inconscientes para os quais será necessário um profissional com formação capaz de conduzir um processo de investigação. Leituras errôneas de sintomas e consultas terapêuticas que buscam tamponá-los, seja com estratégias educativas, medicação ou outras que não busquem a significação, tendem a produzir deslocamentos desses sintomas. Isso por sua vez, tende a sobrecarregar o psiquismo e fazer com que ele descompense na adolescência, na forma de irrupção transbordante de angústia, configurando, às vezes, até um episódio psicótico.

Falamos de competências curriculares formativas e de uma ética profissional capaz de sinalizar nossos limites, mas não podemos esquecer que, com um esforço multidisciplinar, talvez possamos alargar o alcance de nosso olhar e, consequentemente, atender com mais adequação as crianças que nos são entregues por pais que confiam a nós os seus maiores “tesouros”.

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Dra. Vera Blondina Zimmermann
Dra. em Psicologia Clínica - PUC-SP, Professora afiliada do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Coordenadora do Núcleo Bebês com Sinais de Risco em Saúde Mental no mesmo departamento. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto SEDES SAPIENTIAE onde coordena o curso Clínica Interdisciplinar da Primeira infância.

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