Alternativas de intervenções psicanalíticas subjetivantes no campo transicional

Tanto a psicanálise como a pedagogia nos seus fundamentos metodológicos básicos organizou-se, nos seus primórdios, para atender sujeitos cujo intrapsíquico já tenha atingido uma organização egóica capaz de situa-lo adequadamente nas leis da lógica e do juízo. Um nível de estruturação psíquica que lhes habilita perguntarem-se sobre si mesmos e colocarem-se em relação às diferenças deles com os outros, capacidades estas que embasam os pré-requisitos para uma relação adequada com o conhecimento apresentado pela pedagogia. Quando estes sujeitos apresentam entraves na aprendizagem são num nível de conflitos cuja elaboração passa, no tratamento psicanalítico, predominantemente, por um trabalho de desconstrução de sentidos.

Um considerável arsenal de conhecimentos foi construído nas últimas décadas para atender este tipo de população, a partir da contribuição dos fundamentos freudianos e do trabalho de pedagogos.

Também foram desenvolvidos métodos e trabalhos institucionais relevantes no campo de patologias mais sérias, como a psicose e deficiência mental grave.

Nesse caminho de construção de conhecimento e operacionalização de estratégias metodológicas com suas conseqüentes derivações sociais, um grupo de sujeitos foi-se “recortando”, quase por exclusão, dado seu fracasso em obter resultados neste contexto. Mesmo que se tenha sido construído um significativo entramado de conhecimentos sobre o psiquismo e sua constituição inicial, percebe-se um vazio, se podemos assim nominar, quando precisamos dar conta de processos de aprendizagem de sujeitos que ainda transitam pelos caminhos do Transicional, ou seja, sujeitos que ainda necessitam organizarem-se melhor numa ordem simbólica para então transitarem pelo discurso pedagógico.

Falando em termos intrapsíquicos, estamos nos referindo a sujeitos com insuficiência de mecanismos neuróticos, sem querermos situar a neurose num lugar de primazia, pois sabemos que determinados níveis de organização neurótica também podem constituir sérios prejuízos na aprendizagem e na inserção social.

Trata-se de sujeitos que necessitam estar sob o olhar e presença do outro para se organizarem no tempo e no espaço. Como diz Ricardo Rodulfo, necessitam ainda “extrair pedaços do corpo materno” para se constituírem, o que cobra de quem o acompanha tecnicamente, estratégias diferentes para ajuda-lo, tanto na clínica como na escola.

Essas pessoas ainda não conseguiram organizar suficientemente um eixo de significações capaz de fazer do corpo um instrumento para inscreverem-se na “folha”, também parafraseando Ricardo Rodulfo. Especificamente, apresentam dificuldades na organização da imagem corporal e como conseqüência pedagógica, uma série de dificuldades na leitura e na escrita.

Quantidades pulsionais irrompem na conduta, não por ansiedade frente a conflitos que possam ser definidos num trabalho de desconstrução, mas por falta de possibilidades de inserção numa cadeia de significações estruturantes do psiquismo inicial. Este tipo de funcionamento desorganiza e/ou impede a inserção adequada numa cena social e de aprendizagem: o outro, enquanto sujeito ou enquanto conhecimento a ser absorvido, deixa de ser figura para ser fundo.

Não apresentam nível de indiferenciação em nível de um processo psicótico, mas freqüentemente “borram” as diferenças entre eles e os outros, o que origina uma série de dificuldades nas relações sociais e na organização dos mecanismos cognitivos, cujas bases se encontram na capacidade de separar e juntar elementos.

Como não conseguiram um nível de organização intrapsíquica que os habilita manter um diálogo consigo mesmos sem a ajuda de algo externo, a presença corporal do outro é a garantia da presença de si mesmo enquanto sujeito. O olhar e a presença do outro são organizadores da sua cena interna e externa.

Clinicamente, falamos então de estratégias que mobilizem os processos de subjetivação, num caminho de “construção” e não em caminhos de “interpretação- desconstrução”, onde a técnica subentende a capacidade de retirada do olhar do outro e conseqüente uso do divã.

Pensando a subjetivação a partir de um modelo freudiano, as estratégias técnicas de “construção” fazem-nos transitar por outras questões. Fundamentalmente, trata-se de pensar como trabalhar as lacunas na constituição intra-psíquica, a partir da mobilização de caminhos libidinais. Caminhos estes, capazes de oferecer e/ou organizar melhor as representações iniciais que pressupõe a humanização da cria humana e a introduzem no mundo simbólico. Portanto, trata-se de encontrar estratégias que produzam simbolizações faltantes neste aparato e/ou as organizem melhor.

Vários autores psicanalíticos têm se dedicado a construir conhecimento nesta linha de raciocínio, entre eles Sílvia Bleichmar que nos fala da Neogênese, enquanto abordagem que tenta dar conta desta problemática pensando o aparato psíquico aberto a significações e resignificações, posição que também adotamos para desenvolver nosso trabalho clínico e institucional, no Graphein, hoje focado.

Além dos recursos da clínica, pensamos que neste caminho de “construção”, de sujeito em constituição, diferentes recursos, individuais, grupais e institucionais podem ser utilizados, desde que todos sejam pensados em possibilitar caminhos de subjetivação.

Tanto na clínica como numa instituição escolar para esta população, precisamos trabalhar, então, basicamente, na direção de constituir intervenções que organizam uma cena onde o sujeito possa melhor se constituir, o que é pré-requisito para sua inserção na lógica necessária a aprendizagem.

A experiência da qual falaremos e que é desenvolvida no Graphein, coloca-se com uma intertextualidade de referência freudiana, num contexto no qual os conceitos vão se depurando a partir de uma prática de trabalho de toda uma equipe, da direção até os funcionários, todos trabalhados a partir da filosofia básica definida pela direção e com a contribuição técnica que vai ajudando a delinear aquilo que a população a ser atendida necessita.

Trata-se de uma escola cujo modelo de funcionamento situa-se entre o modelo de uma escola comum e o de uma comunidade terapêutica. Seu currículo escolar é aprovado oficialmente, apesar de ser diferenciado e adequado as especificidades de cada aluno. As classes são organizadas no máximo com oito alunos e os conteúdos e estratégias pedagógicas desenvolvem-se a partir de projetos individuais.

Quando falamos desta instituição como um todo, podemos visualizar um organismo vivo que se move sem fronteiras distintas: não é só psicanálise porque não temos como objetivo modificar a estrutura dos sujeitos, ou seja, não nos propomos a realizar um trabalho de mudança da tópica intrapsíquica; não é educação no sentido de normatização; não é psicopedagogia clínica porque oferecemos as experiências sociais de uma escola.

Da psicanálise temos uma intertextualidade freudiana de referência. A caracterização básica destas “cenas” que configuram um espaço propício para a constituição do sujeito, conserva a essência do método psicanalítico no que diz respeito à não se fundamentar através de técnicas de condicionamento.

A idéia básica não é adestramento e nem mudança de tópica, mas a promoção de experiências culturais e sociais resubjetivantes, favoráveis aos processos de subjetivação, trabalhando as dificuldades como “diferença” e não “doença”.

Da psicopedagogia temos estratégias para intervir nos processos de ensino-aprendizagem e da educação temos os parâmetros das exigências sociais, tanto em relação aos conteúdos pertinentes aos currículos exigidos, bem como ao perfil mínimo de um cidadão de nossa cultura.

Nós, Graphein, temos pontos comuns com todas estas práticas, mas nossa essência se constitui num lugar de transicionalidade entre todas elas. Mas porquê a necessidade desta “transicionalidade”?

Porque trabalhamos com uma população de sujeitos para os quais o conhecimento novo a ser assimilado coloca-se como um espaço difícil para eles transitarem. A informação nova constitui-se num “terceiro” “estranho” e “perigoso”, tal qual vivencia um bebê que está diferenciando-se da mãe e começa a perceber as diferenças entre o familiar e o não familiar.

No Graphein, precisamos, então, criar situações de relações duais, relações estas que vão se movendo na direção de criar este terceiro espaço que é o social, onde habita a informação nova. Trata-se de uma forma Winnicottiana de traduzir esta prática: “uma boa dupla cria o terceiro”.

Mas nosso trabalho não pode ser apenas traduzido pela metáfora de cuidados maternos de Winnicott, porque a continência não representa o todo de nossa prática. Após o trabalho de inserção no campo do terceiro, quando se consegue organizá-lo minimamente, opera-se e produz-se tudo aquilo que denominamos de função paterna: o campo do conhecimento é apresentado com as leis que o caracterizam e ajuda-se o sujeito transitar por elas, adaptando-se ao seu ritmo e limites.

Procura-se organizar o substrato necessário para que a aprendizagem ocorra, a partir da avaliação do nível de organização da estrutura do sujeito.

Mas afinal, estamos falando do que, operacionalmente?

Primeiro: Mudança de olhar

Um trabalho institucional no sentido de criar um olhar diferente para o sujeito com dificuldades, olhar este que não é igual ao olhar clínico e nem igual ao olhar do leigo.

O clínico olha para o sintoma e para as condutas desadaptadas e trabalha no sentido de significá-las e produzir mudanças estruturais; o leigo choca-se e quer inibi-las.

O “olhar” do qual falamos e que tentamos fazer operar no Graphein fundamentalmente, não vai em busca nem da mudança, nem da recusa do sintoma como mote principal de ação, mas vai no sentido de tentar construir uma ponte com a informação a ser oferecida, a partir das representações implicados naquela conduta ou sintoma.

A operacionalidade disto passa pelo trabalho que denominamos “Tutoria”, que são situações duais recortadas num contexto determinado e que visam melhor introduzir ou reintroduzir o sujeito no campo do terceiro, ou seja, no social.

A presença do acompanhante funciona como organizadora das experiências temporo-espaciais do sujeito que ainda não consegue mante-las intrapsiquicamente. Quando Ricardo Rodulfo situa clinicamente o lugar do terapeuta no trabalho com sujeitos que ele conceitua como “Transtorno narcisista não psicótico”, fala-nos de “acompanhante narcisista”, definindo-o como alguém que está ali disponível a “emprestar-se” para que o sujeito absorva dele significações faltantes. Também na Tutoria temos algo que se assemelha, já que ele se apresenta como uma figura disponível para que o sujeito extraia dele significações faltantes. Uma tentativa de recriar uma dupla onde o tutor desempenha a função de ir apresentando ao sujeito a cena de aprendizagem para a qual ele precisa dirigir-se.

Esta Tutoria pode ocorrer durante a permanência na instituição e após término, acompanhando o sujeito durante sua inserção universitária e/ou outro campo social.

A princípio, todas as pessoas da instituição podem desempenhar esta tarefa, mas a escolha sempre será em função do caso, a partir da organização do projeto individualizado de cada aluno e do momento específico do processo. Quase sempre a escolha é feita a partir da observação dos vínculos que o sujeito vai estabelecendo, o que significa que ele também define seu Tutor. Trata-se de organização de cenas que se iniciam a partir de um jogo de significações aparentemente aleatórias, mas que sempre traduzem o início de uma rede de significações criadas a partir do sujeito, significações as quais a equipe técnica detecta e passa a trabalhar no sentido de aproveita-las enquanto estratégias para inserção no pedagógico.

Diferenciamos o trabalho de “Tutoria” realizado no Graphein, com o que na clínica caracteriza-se como função de “Acompanhante Terapêutico”. Nosso diferencial é que a função de Tutor está inserida em várias outras, como por ex, professor, funcionário, técnico e direção. Ela é realizada em determinados momentos, nos quais a conduta de Tutor passa a ser predominante na cena e a outra, específica de cada pessoa na instituição, fica como fundo na figura. Isto quer dizer que, todas as pessoas que fazem parte do Graphein, em algum momento, com algum aluno, podem exercer uma Tutoria.

Naturalmente, existe sempre uma reflexão técnica em torno destas tarefas, avaliando-se os objetivos e andamento de cada situação.

Projetos individualizados:

Num processo de constituição psíquica os significantes vão sendo organizados de tal forma que criam uma determinada fantasmática para cada sujeito. Portador de uma organização particular, ele é capaz de definir seus caminhos naquilo que conhecemos como projeto de vida, o que inclui vários tipos de escolhas e definições.

Na população que focamos isto não se dá espontaneamente, e, às vezes, nem com ajuda terapêutica. O que chamamos de Projeto individualizado no Graphein, é uma tentativa de ajudar estes sujeitos a ordenarem sentidos e buscar a operacionalidade de suas questões intrapsíquicas.

Traduz-se numa tarefa de capturar significantes destes sujeitos a partir da história de suas vidas, contadas e observadas, e tentar introduzir isto no contexto da cena de aprendizagem, mesclando e/ou adaptando com a informação que ele necessita assimilar.

Estes significantes que tentamos recuperar podem ser, às vezes, cultura perdida, restos de vivências, de preferência integradoras e tendem a funcionar como disparadores para se criar à ponte com a informação necessária a ser passada.

Aqui novamente temos um diferencial: não se trata apenas de uso de significantes culturais a modo dos Projetos realizados na escola tradicional e nem do aproveitamento daquilo que a teoria das Inteligências Múltiplas nos aponta para desenvolver com o aluno, estratégias estas que ficam, predominantemente, no campo da motivação e das aptidões. Estas estratégias são importantes e aproveitadas neste contexto, mas não são suficientes, pois estes sujeitos apresentam-se fragilmente inseridos nos significantes culturais e implicam-se pouco com suas aptidões. Por ex, podemos realizar atividades pedagógicas e culturais em torno de um significante social, como Festa de São João, Independência do Brasil, etc. Para realmente conseguirmos efeitos de grupo, precisamos trabalhar individualmente o sentido disso e construir uma “ponte”com o significado social. Se não for feito este trabalho de construção disto que estamos chamando de “ponte” entre o individual e o social, é quase certo que a atividade ficará esvaziada e inútil naquilo que constitui seu objetivo.

Quando falamos em significantes individuais estamos buscando sentidos pessoais que, às vezes, podem ser até antagônicos ao sentido social comum, mas que se trabalhados podem inserir-se nele. O trabalho pedagógico também passa por estratégias usadas na escola comum, mas isto só é possível quando incluímos um olhar sobre a subjetividade individual.

Portanto, projetos individualizados tentam auxiliar o sujeito a “costurar” suas questões intrapsíquicas a partir de produções enunciativas em diferentes registros, onde o verbal não é condição única de inscrição do sujeito. A proposta é a de favorecer a construção de algo que o insira produtivamente no social, a partir de algo que o represente subjetivamente.

Agrupamentos e Oficinas:

Em escolas comuns, onde predominam alunos com estruturas emocionais mais preservadas, trabalhos grupais ocorrem a partir de movimentos expontâneos, quando muito com necessidades de intervenções ora educativas, ora mobilizadas por alguma dinâmica de grupo desenvolvida até pelo professor. Nestas situações, mobilizar o grupo para uma tarefa é trabalhar conhecendo padrões básicos de motivação e características da faixa etária. As relações no grupo vão acontecendo com dinâmicas que podem afetar o andamento do trabalho pedagógico, mas dificilmente o impedem de ser realizado.

Os trabalhos grupais nesta população objetivam melhorar relações sociais a partir de técnicas onde as percepções individuais são revistas e questionadas, trabalhando-se muito as conseqüências grupais das características competitivas que predominam neste tipo de estruturação.Podemos chamar de grupo, pois os sujeitos, a partir de uma diferenciação psíquica deles com os seus semelhantes, conseguem interagir a partir de vínculos que os une ao grupo e ao mesmo tempo, podem pensar-se separados. A função do coordenador é de “terceiro”, ficando predominantemente num lugar de “facilitador” da comunicação estabelecida entre os participantes da dinâmica. Neste sentido as técnicas de dinâmica de grupo que conhecemos da Psicologia Social são adequadas para serem usadas.

Em Comunidades Terapêuticas, onde são trabalhados sujeitos cuja inserção na realidade está muito sensível a distorções, propostas grupais são irrelevantes, já que a questão principal ainda é a realidade interna x externa a partir das relações duais. A tarefa objetiva, externa enquanto pedagógica é secundária. Nestas situações institucionais, é comum usar-se o que se chama de grupo tarefa, espaço onde se agrupam os sujeitos em torno de algo concreto a ser realizado no ambiente, sem preocupação com maiores elaborações em relação à diferenciação, que são impossíveis neste funcionamento.

Com a população do Graphein fazemos tentativas de organizar momentos grupais que possam vir a significar algo mais que um agrupamento, ou seja, que possam produzir algo de experiências subjetivantes: são tentativas de possibilitar situações onde o “outro” possa ser olhado e pensado, tentativas de fazer operar melhor descriminação entre o interno e o externo, diferença esta que, apesar de existir nesta população, às vezes se borra.

Apresentam dificuldades centradas em condutas que impedem a realização de uma tarefa conjunta e criam dificuldades importantes nos contatos relacionais. Aqui não se trata de cenas de competitividade entre os participantes, mas de desorganização, a partir das dificuldades de manter as diferenciações. O coordenador necessita técnicas e recursos pessoais diferenciados, já que precisa intervir permanentemente, ora formando vínculos duais, ora juntando, na medida do possível, os pedaços de significações individuais para minimamente fazer os elementos se escutarem e produzirem algo juntos.

Não são tão graves como a população de uma Comunidade Terapêutica que necessita permanentemente de um trabalho dual, mas também não são tão preservados como a população de uma escola comum, que pode manejar os indivíduos com regras grupais, ou seja, com predomínio da lógica objetiva e comum ao grupo.

Mas o que se mostrou possível com nossa população?

Temos um histórico de tentativas que remonta o início da instituição, já que a Direção sempre entendeu ser fundamental este tipo de atividade.Isto,apesar da opinião contrária de alguns técnicos, ainda sob o efeito da impotência gerada por algumas experiências realizadas.

Quando iniciamos nosso trabalho de consultoria no Graphein o consenso entre os técnicos era a de que se tratava de uma tarefa impossível. Porém, também pensávamos como a Direção, que a construção de um modelo de instituição que atendesse adequadamente esta população de sujeitos, deveria passar por desenvolvimento de técnicas neste sentido.

Numa primeira etapa, criou-se um momento onde era oferecido um espaço e um tempo sistemático para o grupo, onde eles, sob coordenação de um técnico, escolhiam como queriam ocupá-lo; cabia a coordenação organizá-los na escolha e na elaboração da tarefa escolhida.

Caracterizamos o trabalho como um processo de investigação, de pesquisa, na busca de uma técnica que viesse de encontro às características de nossa população. Tentamos buscar nós mesmos as respostas, pois não encontramos na literatura trabalho específico para nosso uso.

Acompanhamos o desenvolvimento da atividade com cada grupo, supervisionando o técnico coordenador, bem como avaliando as repercussões do mesmo na instituição como um todo.

Algumas conclusões, após várias etapas, com diferentes técnicos e grupos:

Observamos que estes grupos podiam, em grandes linhas, caracterizarem-se por predomínios de funcionamento, a partir da proposta que era lançada, ou seja, de se organizarem para alguma atividade conjunta. Havia diferentes níveis em relação à capacidade de elaboração de algo mais simbólico, através do uso da palavra. Consideramos o parâmetro da palavra escrita e falada como algo que nortearia esta classificação, já que uma inserção adequada no discurso pedagógico demanda esta capacidade.

1. Grupos que não conseguiam estabelecer nenhuma proposta grupal, onde a atividade pudesse ser permeada pelo uso do verbal. As atividades que eram formuladas como propostas que engajavam a maioria, sempre estavam ligadas a sensações mais primitivas, como por ex, a comida. Nestes grupos a dispersão e o desânimo predominavam frente ao desafio de formularem algo para fazer conjuntamente.


2. Grupos onde as formulações enquadravam-se em atividades que remetiam a um exercício corporal. O fazer era centrado no movimento. Salienta-se, ainda que reflexões propostas a partir deste fazer corporal eram pouco desenvolvidas, sendo muito difícil algum tipo de elaboração verbal daquilo que acontecia nas atividades.


3. Grupos onde havia possibilidade de ocorrer alguns momentos com predomínio da palavra verbal e escrita, sendo capazes de produzirem discussões sobre tema específicos e mesmo, sobre questões relacionadas com a dinâmica que ocorria entre eles.

Em termos gerais, até este momento de investigação, observamos que uma das vivências grupais que são mais demandadas e que produzem organização de subjetividades é a da culinária. O processo de planejar e produzir alimentos para uma refeição é, inicialmente difícil para eles, mas, na medida em que vai ocorrendo, algo de organização interna acontece: conseguem usar habilidades diferentes e produzir sínteses verbais pessoais e grupais sobre as experiências produzidas neste tipo de espaço.

O alimento parece funcionar como organizador da cena e apaziguador de angústias irruptivas, cujo grau de continência não é possível só com o campo verbal.

Outros momentos grupais integrados pela palavra são mais difíceis de acontecer.O uso de trabalhos corporais também é experimentado com prazer, mas é comum criarem-se conflitos em função da automática inserção de algum tipo de regra. Mesmo algo que funcione apenas como relaxamento corporal introduz a irrupção da diferença, pois eles não conseguem manter-se pacificamente sob uma mesma ordem.

Observa-se que há grande demanda de discussão de questões pertinentes à adolescência, tais como sexualidade, namoro, etc… Porém, algo deste nível só com o verbal faz irromper grande angústia e conseqüentes atitudes inadequadas ao social.

Observou-se que apresentam grande dificuldade de se engajarem num discurso onde se faz necessário acompanhar a duplicidade de sentido da palavra e onde suas subjetividades possam alcançar um trânsito pelo coletivo, sem emaranhar-se. A fragilidade do “quem sou eu?“ desorganiza a construção do desejo pessoal e conseqüentemente, o planejamento e execução de tarefas, principalmente das pedagógicas.

Outro aspecto relevante é a necessidade do coordenador da atividade estar sempre atento para funcionar como acompanhante de alguém do grupo em particular, ajudando-o a manter-se junto dos outros a partir de um reaseguramento de vínculo dual. Isto pode ser feito com um olhar, um toque ou algo concreto dentro da atividade. Há necessidade de uma função mais diretiva e, muitas vezes, disciplinadora.

Percebe-se, portanto, que produções subjetivas concretas, diferentes da verbal e escrita, são apaziguadoras das angústias intrapsíquicas e favorecem as elaborações num nível mais simbólico, principalmente se podem ser concretamente absorvidas, como o alimento. Este elemento concreto serve de substrato para ocorrerem outras manifestações simbólicas, movimentando a estrutura.

Estendendo as observações para outras experiências na instituição, observa-se que algo semelhante nas oficinas. A marcenaria, por ex, também tem possibilitado, a partir da produção concreta de algo, momentos de importantes efeitos subjetivantes.

Também, a computação oferece algo que tem efeitos importantes neste sentido. A tela oferece-se como elemento de intermediação entre o sujeito e a escrita direta na folha. Pensamos que o computador, através de sua tecnologia, oferece ao sujeito uma sensação de não estar só ao produzir, pois muitas vezes, até os corrige e reorganiza. Assim, produz também um efeito de “acompanhante narcisista”, fazendo a função de ajuda-lo na organização temporo-espacial. Desta forma, a produção a ser feita pelo sujeito, ou seja, a inserção no campo do ” terceiro” constituído pelo conhecimento, fica intermediada e facilitada.

Em termos gerais, a produção pedagógica pode acontecer com melhor êxito, a partir da utilização de recursos que dão a estes sujeitos uma possibilidade de sentirem-se, de uma ou outra forma, acompanhados. A concretude do corpo materno não é necessária, mas é necessário algo que sustente esta presença de uma forma transicional, já que o nível simbólico ainda não lhe permite metaforizá-la totalmente.

Outro aspecto relevante, é que mesmo neste predomínio do transicional, os sujeitos oscilam entre os vários níveis de funcionamento, o que nos remete a prática de investir nos movimentos progressivos da estrutura psíquica.

Todas estas atividades possibilitam espaços onde o sujeito pode enunciar-se de diferentes modalidades, de acordo com seu momento estrutural.Nestas cenas de “jogo” – subentendido como possibilidade de estabelecimento de comunicação. O entorno cria condições para que o sujeito coloque em cena pedaços desconectados de sua história, não necessariamente ligadas ao registro verbal enquanto sentido intencional da palavra, mas ressoantes de todos os sentidos que elas contém, quando proferidas.

Enquanto psicanalista, pensamos que nossa tarefa é a de funcionar como um elemento unificador de todas estas práticas, escutando as respectivas produções e contribuindo para que elas transitem entre si e conseqüentemente, produzam efeitos os quais buscam. Vamos transitando por todas estas partes, ora também emprestando nosso corpo representado pela teoria metapsicológica, ora criando significações a partir de um olhar e uma escuta, também clínica.

Enfim, falamos de um trabalho onde fazemos “desconstruções” e “construções”, escutando a filosofia da instituição, transitando pelas partes que se criam no seu entorno e ajudando na operacionalização deste desejo, discutindo também sua coerência a partir da nossa prática clínica.

Um outro aspecto fundamental que é necessário ser recortado de todo o fazer do Graphein é seu componente intrínsico de prática investigativa própria do modelo psicanalítico: não podemos trabalhar a partir de métodos aprovados por abordagens metodológicas quantitativas, pois isto não definirá o que o individual de nossa população necessita. Nisto temos outra similitude com a psicanálise: “todo caso é um caso”.

Essa postura nos coloca numa identidade com a clínica, mas nosso fazer traz conseqüências sociais, conseqüências estas que a clínica não precisa dar conta. Nossa prática se dá fora de um setting preservado do olhar social, ou seja, fazemos intervenções que são observadas pelo social e dificilmente compreendidas, já que estão imbutidas de significações estritamente individuais. O clínico que trabalha com este nível de estruturação não tem este problema, pois seu setting está preservado pelas quatro paredes de seu consultório.

No trabalho do Graphein, necessitamos estar sempre investigando e realizando intervenções que, às vezes, chocam o expectador, que pode ser representado pelos pais, técnicos e mesmo colegas da instituição. Nem todas provam sua adequação após serem realizadas, mas certamente, temos a convicção de que este fazer investigativo é condição necessária para se responder às necessidades de nossa população.

Não se trata de uma prática de ensaio-erro, mas de uma prática que busca escutar o sujeito que está ali, interceptado por alguma questão intrapsíquica e que nem sempre sabe explicitá-la num código socialmente aceito e capaz de ser decifrado.

Enfim, tentamos escutar institucionalmente sujeitos caracterizados pela fragilidade na suas estruturações intrapsíquicas, o que os dificulta operarem adequadamente com o conhecimento. São feitas intervenções a nível institucional que possibilitem uma organização de cena frente ao conhecimento na qual eles possam sentirem-se capazes de transitarem.

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Dra. Vera Blondina Zimmermann
Dra. em Psicologia Clínica - PUC-SP, Professora afiliada do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Coordenadora do Núcleo Bebês com Sinais de Risco em Saúde Mental no mesmo departamento. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto SEDES SAPIENTIAE onde coordena o curso Clínica Interdisciplinar da Primeira infância.

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